Uma “viagem” pelos cadernos escritos durante os B>Labs, em La Caldera, Barcelona, ​​2016 e 2017

B> Lab: uma metodologia inovadora de dança contemporânea criada por BIDE

Muito se fala sobre o processo de criatividade e cocriação, mas colocá-lo em prática é outra questão. Instituições culturais e grupos de artistas vêm realizando projetos de cocriação que complementam sua programação, a partir dos quais o público pode construir e discutir propostas baseadas em temas de interesse comunitário ou de caráter global. No entanto, para que as estratégias sejam bem-sucedidas e atendam aos objetivos traçados, é necessário total transparência.

A cocriação estendida ao corpo e seus movimentos pode ser entendida de muitas maneiras diferentes. No caso da dança contemporânea e das artes performativas, onde os corpos se comunicam através de movimentos livres e muita improvisação, chegar a uma coreografia ou performance coletiva é uma “cocriação” que acontece de forma consensual. É importante que esse processo seja realizado a partir de uma metodologia horizontal, transparente e não hierárquica, para que a confiança prevaleça entre os participantes e todos possam exprimir as suas ideias e pensamentos. Esses são os princípios básicos da metodologia inovadora desenvolvida por BIDE e que se chama B>Lab.

B> Lab como um processo de criatividade coletiva em dança e artes cênicas

O objetivo do B>Lab é permitir que ideias criativas germinem e circulem através de um processo de exploração cruzada não hierárquica, inclusiva e com diversidade. Os B>Labs estimulam conexões para que os participantes se envolvam em pesquisas e compartilhem suas descobertas alimentando a criação coletiva. Cada B>Lab possui facilitadores cuja objetivo é apresentar o tema do semestre, levantar questões e propor uma estrutura dinâmica para a sessão de trabalho, proporcionando um campo fértil para os participantes decidirem como proceder.

Uma forma muito interessante de entender como funciona o processo criativo de um B> Lab é fazer uma “jornada” pelo conteúdo dos cadernos escritos durante esses laboratórios. Neles os participantes escrevem e desenham tudo o que acontece durante os B>Labs. Um storytelling escrito pelas diversas mãos de bailarinas e bailarinos que participam no B>Meeting, cada ano, no La Caldera – Centro de Criação de Dança, em Barcelona.

Notes from B>Lab

Anotações caderno sala 1

O storytelling, como sabemos, é a arte de contar uma história, a criação e o uso de uma atmosfera mágica por meio da história. Nesse post vamos ver como essa mágica acontece nos cadernos do B>Lab. Imagine a cena: quatro salas com uma média de 15 dançarinas e dançarinos em cada uma. Pessoas de diferentes países, culturas e idades escrevendo no mesmo caderno sobre o mesmo assunto. O caderno passa de mão em mão onde cada um escreve o que está acontecendo naquele momento na sala.

Isso acontece uma vez por ano desde 2008, quando o primeiro B>Lab foi realizado. Você pode imaginar quanta história e conteúdo criativo temos para compartilhar com você? Quantas ideias e criatividade gravadas no papel em um momento em que tudo é digital? Os dançarinos falam com o corpo todo, mas neste momento estão usando apenas as mãos. As pessoas são diferentes, as mãos que moldam as palavras não são as mesmas, mas as mentes invisíveis nessas páginas têm o mesmo objetivo: criar uma coreografia entre todos.

Bem-vindas e bem-vindos à Sala 1!

Neste texto vamos viajar a um desses cadernos: o caderno da Sala 1, que contém anotações dos anos 2016 e 2017, escritas em dois B>meetings diferentes, onde o tema central foi “Remix”. O tema Remix foi proposto como uma ferramenta artística, um dispositivo de conexões e um gatilho de inspiração. Um conceito que foi usado para pesquisa e ponto de partida para um diálogo. O Remix é uma estratégia de composição e inovação musical, tendo como principal característica o fato de se apropriar e modificar outros materiais para criar algo novo. O BIDE estava interessado em traduzir esta prática em dança e coreografia.

Vamos começar com a primeira página: um desenho dividido em espaços diferentes, cada um com uma palavra ou ícone diferente. No final da página, destaca-se a frase: “Como vai você?” Uma pergunta simples como essa no início de um laboratório pode fazer você refletir e desencadear muitas descobertas sobre o seu corpo e sobre você mesmo. E é por isso que agora eu pergunto novamente: como vai você?

Notes from Room 1 BIDE 2016

Anotações caderno sala 1 e B>Lab 2016

Pense em como você está realmente enquanto continuamos nossa jornada pelo caderno. Passamos algumas páginas e chegamos a um desenho onde os espectadores estão na posição dos performers e os performers fora do círculo, como se fossem espectadores. Um remix de público e artista. Nesse ponto da prática, várias frases sobre espaço e liberdade começam a surgir:

“Pensamos que teríamos muita liberdade e tentamos colocar mais regras, e os papéis se inverteram.”

“É livre, ou você é livre, desde que não veja a estrutura como um limite.”

Notes Room 1

Anotações caderno sala 1

São frases tão profundas e filosóficas que poderíamos escrever uma tese. Vai muito além do exercício do corpo. É também um exercício sobre a vida, as estruturas que nos rodeiam e que podem ser um limite à nossa criatividade, se vemos dessa forma.

Continuamos a viagem pelo caderno da Sala 1 e chegamos a um exercício com o mapa de Barcelona. Nesta prática, os participantes estudam a estrutura da cidade, comparando o Bairro Gótico de Barcelona com Chivilcay, uma cidade da Argentina. A ideia é remixar a estrutura da cidade de Barcelona: clareza x caos, escuta coletiva, movimento pedestre, estrutura corporal.

“Comece com pequenos movimentos, tão autênticos quanto possível, como um SCAN interno.”

Sobre a “escuta coletiva”, há notas interessantes:

“Se você tentasse saborear o som, que sabor teria?”

“O movimento é algo fácil, como se você não quisesse se mover. / Encontre-se”

“Comece com pequenos movimentos, tão autênticos quanto possível, como um scan interno.”

“Presença como forma de entender onde você é / quem você é”

“Caminhando com a memória dos pontos do corpo que foram o gatilho para começar.”

Continuamos viajando pelas páginas do caderno e chegamos a um momento em que o exercício é pegar esses elementos de “contato” e transportá-los a qualquer momento, movimento ou situação espacial. E nos deparamos com este desenho e a seguinte frase:

Notes Room 1 2016

Notes from Room 1 BIDE 2016

Anotações caderno sala 1

“Inquietação de muitos ou poucos: mover-se e atuar só é bom e livre quando se torna uma dança com mais pessoas. Eles recaem no “contato” da dança improvisada, nos parâmetros, e se sentem presos”.

Continuamos a viagem pelo caderno e chegamos a um oceano. Seria o mar Mediterrâneo? Surge a resposta: “Somos peixes! Estamos flutuando!” O primeiro exercício é empurrar a pessoa para o centro e ela tenta escapar. No segundo exercício, todos carregam uma pessoa como se ela estivesse flutuando.

Notes Room 1 2016

B>Lab 2016

Anotações caderno sala 1 e B>Lab 2016

Como é o espaço dentro de nós? Como é o espaço fora de nós?

E chegamos ao dia 30 de abril de 2016, com a facilitadora Lucía. Nesta parte do caderno, a prática é chamada de “Abraço”. Os participantes caminham e se abraçam entre eles. Em um determinado momento cada um é abraçado por apenas uma pessoa. Em seguida, uma massagem, um momento de tranquilidade ouvindo a música “Você é linda”, de Caetano Veloso. Que ideia maravilhosa! Receber ou fazer uma massagem enquanto es escuta esta música. As pessoas começam a seguir a melodia e a bússola. Um momento para compartilhar um lugar e um momento específico com as pessoas para abraçá-las como se fossem suas.

A viagem continua e chegamos ao dia 1º de maio de 2016, com a facilitadora Almodena. O tema agora é: “Olhando para dentro das perspectivas / relações entre ossos e sangue”. Os participantes estão pensando em seus ossos, vísceras, sangue, músculos, órgãos … “Como você nos vê de fora?” A ideia é fazer movimentos pensando .. Como é o espaço dentro do nosso espaço? Como é o espaço do nosso nós? Os olhos também fazem parte!” A ideia é trabalhar o corpo como uma unidade.

Seguindo com o olhar, fomos ao laboratório com a facilitadora Marina, cujo objetivo é descobrir “o olhar pelas costas”. Onde estão as coisas quando não as vemos? Esses olhos “secundários” no fundo do céu nos dão a oportunidade de nos livrarmos da “excitação” e da insegurança do olhar convencional. Quantas direções o corpo tem e quais são? Onde estamos no espaço. É difícil estar com você mesmo. Você ainda está se movendo internamente? Acaba quando acaba.

A imperfeição em movimento

Notes Room 1 Glitch

Notes Glitch 2

Anotações caderno sala 1

E chegamos ao final da nossa viagem ao caderno da Sala 1 com o conceito “Glitch” / A falha, a imperfeição em movimento. Porque somos humanos. Porque podemos errar e estar equivocados. Porque o fracasso é humano. O fracasso vem de repente, acontece, vem e vai.

“O contacto sem gravidade foi o melhor momento. Meditação do coração.”

“Relaxar também pode ser uma direção para não desmaiar.”

“Ver o interior como ser humano, não pensar no aspecto cultural”.

“A viagem no tempo é um efeito da imperfeição … Conhecer você abre meus limites.”

“Havia lágrimas nesta sala. Desconecte seus celulares e desative o modo da falha.”

B>Lab 2016 Disconnect

Notes Disconnect

B>Lab 2016 e anotações caderno sala 1

Estas são apenas algumas anotações do caderno da sala 1. São registros que selecionamos para que você tenha uma ideia do incrível conteúdo que guardamos. O objetivo do BIDE é transformar todos os seus cadernos em um grande livro, um documentário, uma exposição … Algo tão grande e poderoso quanto a narração dos cadernos. Uma viagem ao longo de todos os anos e laboratórios realizados durante os 12 anos de B>Labs. E aqui nos despedimos, por enquanto. Porque os próximos “Diários de Viagem” já estão agendados: eles serão escritos durante nosso B>Meeting Cluster Edition, de 25 a 28 de novembro. Em Barcelona com Sebastian Garcia Ferro, em ​​Londres com Zoë Leigh, em Nova York com Giada Matteini, no México com Ireri Mujica e em Jerusalém com MASH Dance House e Avital Dance. Nos vemos em breve!

BIDE 2016

Sebastian Garcia Ferro e os participantes do BIDE 2016
Sebastián and participants BIDE 2017

BIDE 2017 – 9th edition ©Tristan Perez-Martin

Sebastian Garcia Ferro e os participantes do BIDE 2016

Estratégia de conteúdo, curadoría e redação para o B>Log, o blog do BIDE – Barcelona International Dance Exchange, publicado em setembro de 2020. Link para a publicação original aqui.