Atuando no setor de pesquisa em tendências de comportamento e consumo, tenho observado como as tendências globais influenciam o comportamento e as formas de consumo dos brasileiros. Por outro lado, também pesquiso o que foi criado no Brasil e que tem sido incorporado globalmente, transformando-se em uma tendência mundial. Daí veio a pergunta: como o nosso país influencia as outras culturas? Quais são os costumes, produtos ou serviços brasileiros que se tornaram ícones globais?
Ao refletir sobre esse tema, comecei a perceber que os ícones brasileiros que têm mais repercussão no exterior são provenientes da classe popular: o samba, a caipirinha, a feijoada, o futebol, as sandálias Havaianas e as favelas. Uma palavra que foi assimilada em outros países tornando-se até mesmo uma marca e local de celebridades; como o bar, restaurante e casa noturna Favela Chic, um sucesso em Paris, desde 1995. Mais recentemente, em Nova York, foi inaugurado o Miss Favela. Um autêntico boteco brasileiro localizado em Williamsburg, o bairro hipster do Brooklyn.
O termo “Favela” vem sendo utilizado, inclusive, por parte da classe dominante brasileira, que identificou nessa abrangência global da palavra uma oportunidade: é o caso dos Irmãos Campana. Ícones do design nacional, a dupla criou, em 1991, a cadeira “Favela”, feita de sarrafos de madeira fixados de forma assimétrica, como as estruturas da favela. Premiadíssima, a cadeira ficou tão famosa que ganhou uma versão em miniatura pelo Vitra Design Museum, da Alemanha, que faz peças em escala real de cadeiras dos designers mais famosos do mundo. Hoje, a cadeira é vendida por cerca de U$2.500,00. Em 2013, eles lançaram a “Favela Bed”, no Salão do Móvel de Milão.
O Grupo Yes Hotels, de Atenas, gostou da ideia e convidou os Irmãos Campana para renovar um hotel da rede na Grécia, o The New Hotel Athens, seguindo o estilo da cadeira Favela.
Em 2013, a arquitetura da favela brasileira também inspirou Deny Design, marca francesa, que criou uma linha de roupas de cama, cortinas de banho, relógios e quadros, entre outros produtos da coleção exclusiva.
Já na África do Sul, o Emoya Luxury Hotel and Spa tem uma atração especial para os seus hóspedes: a Shanty Town. Uma reprodução de uma favela feita no resort para acomodar clientes que queiram viver essa experiência. Com uma diária de R$ 192 (para quatro pessoas), o barraco é feito com os mesmos materiais das moradias originais da região. Mas com sistema de aquecimento sob o chão e acesso à internet.
Seja no Brasil ou no exterior, a favela tornou-se uma inspiração para casas noturnas, móveis, marcas de roupa, sandálias, hotéis… E se a favela é chique em Paris, por que não pode ser aqui no Brasil? Falta pouco. Em breve, teremos a novela Favela Chique, no horário nobre da Globo.
Apesar do uso crescente da palavra e do conceito de “favela” nos mais diversos segmentos de produtos, infelizmente, nem todos recorrem ao nome “favela” de uma forma positiva. É o caso do jogo online Favela Wars, criado pela Nano Studio, que representa uma batalha em uma favela do Rio de Janeiro. Pessoalmente, considero uma aplicação negativa da favela como tendência e um estímulo à violência. Que a violência existe, é fato. Mas daí a “convidar” o consumidor a participar desse combate através da utilização de um produto, é outra história.
Como uma profissional de pesquisa e de criação, prefiro deitar na cama criada pelos irmãos Campana, cobrir com o lençol da Deny Design e sonhar com um futuro melhor para as nossas favelas, ressaltando o seu lado positivo. Prefiro pensar em projetos como a Favela Orgânica, os dançarinos do Passinho, a Retalhos Cariocas e muitos outros exemplos bacanas que nasceram no morro. Prefiro pensar na favela como um dos espaços mais autênticos e criativos do Brasil.
Foi refletindo sob esse aspecto, que criei um projeto de pesquisa, há cerca de dois anos, em parceria com a Lenise Regina: o Favela Trends. Um dos objetivos desse projeto é fazer uma curadoria do que tem acontecido de mais interessante e criativo nas favelas do Brasil. Se o tema te interessa, dá uma passada por lá.
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